quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O retorno do tempo presente


De repente faltou luz e a gente se viu no silêncio. Ou permanecíamos com ele, ou conversávamos. Fazia muito tempo que as palavras eram poucas entre a gente. A televisão tava sempre ligada, as mensagens nas redes sociais não paravam de chegar. O dia passava num piscar de olhos e a noite era feita de luzes artificiais.

A gente não sabia, não suportava o silêncio, então eu lhe pedi que me contasse uma história. 
Ela disse: - Hã, como assim contar uma história, uma história real, uma história inventada? 
- Ah tanto faz, eu disse, mas me conta uma história bonita, faz tanto tempo que não ouço uma história bonita.

- Poxa, e agora! Vou ter que pensar. Deixa ver... Tá bom, então vou contar uma história sobre um futuro improvável, no qual haja amor.

"Certo dia acabou a energia elétrica das cidades todas, um colapso inexplicável, parecia que a energia tinha se recusado a circular. As pessoas tiveram que parar, se olhar, se ouvir, se tocar para aquecer os corpos. Os técnicos não conseguiam entender, parecia que as leis da física haviam mudado .

Nos primeiros dias a gente ficou em casa, parecia que voltar a fazer sexo era a melhor alternativa pra passar o tempo. Logo a gente percebeu que precisava interagir com outras pessoas. Em algumas semanas se formaram vários grupos no bairro. Grupos de dança, de teatro, de música, de jogos os mais variados. A gente aproveitava muito as noites de lua cheia, e nas de lua escura se recolhia um pouco ou fazia fogueira. Voltei a me sentir viva, exuberante e íntegra em corpo e espírito. Quando olhei pra atrás não entendi como podíamos viver aquela vida tão vazia de sentido."

Quando ela terminou de falar meu rosto tava tomado de lágrimas, ela percebeu e me deu um beijo longo e delicioso como dos primeiros que trocamos há muito tempo passado.