De repente faltou luz e a gente se viu no silêncio. Ou permanecíamos com ele, ou conversávamos. Fazia muito tempo que as
palavras eram poucas entre a gente. A televisão tava sempre ligada, as
mensagens nas redes sociais não paravam de chegar. O dia passava num
piscar de olhos e a noite era feita de luzes artificiais.
A
gente não sabia, não suportava o silêncio, então eu lhe pedi que me
contasse uma história.
Ela disse: - Hã, como assim contar uma história,
uma história real, uma história inventada?
- Ah tanto faz, eu disse, mas
me conta uma história bonita, faz tanto tempo que não ouço uma história
bonita.
- Poxa, e agora!
Vou ter que pensar. Deixa ver... Tá bom, então vou contar uma história
sobre um futuro improvável, no qual haja amor.
"Certo
dia acabou a energia elétrica das cidades todas, um colapso
inexplicável, parecia que a energia tinha se recusado a circular. As
pessoas tiveram que parar, se olhar, se ouvir, se tocar para aquecer os
corpos. Os técnicos não conseguiam entender, parecia que as leis da física haviam mudado .
Nos
primeiros dias a gente ficou em casa, parecia que voltar a fazer sexo
era a melhor alternativa pra passar o tempo. Logo a gente percebeu que
precisava interagir com outras pessoas. Em algumas semanas se formaram
vários grupos no bairro. Grupos de dança, de teatro, de música, de jogos
os mais variados. A gente aproveitava muito as noites de lua cheia, e
nas de lua escura se recolhia um pouco ou fazia fogueira. Voltei a me
sentir viva, exuberante e íntegra em corpo e espírito. Quando olhei pra
atrás não entendi como podíamos viver aquela vida tão vazia de
sentido."
Quando ela
terminou de falar meu rosto tava tomado de lágrimas, ela percebeu e me
deu um beijo longo e delicioso como dos primeiros que trocamos há muito
tempo passado.